E-COMMERCE: A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR FRENTE ÀS PRÁTICAS COMERCIAIS ABUSIVAS NAS VENDAS ONLINE.

Por Daniel Carlos Machado (DCM Advogados) em 25/01/2024
E-COMMERCE: A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR FRENTE ÀS PRÁTICAS COMERCIAIS ABUSIVAS NAS VENDAS ONLINE.

E-COMMERCE: A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR FRENTE ÀS PRÁTICAS COMERCIAIS ABUSIVAS NAS VENDAS ONLINE.

 

Daniel Carlos Machado[1]

Caio Sperandeo de Macedo[2]

Ricardo Libel Waldman[3]

 

Resumo         

O presente artigo visa analisar a tutela do consumidor ao se expor no universo virtual de consumo, considerando sua fragilidade enquanto parte vulnerável de uma relação negocial, frente aos abusos cometidos por fornecedores em suas plataformas digitais. A vulnerabilidade do consumidor nesse universo demanda que receba informações adequadas quanto ao produto/serviço adquirido, a fim de que possa avaliar sua real necessidade e assim também evitar um consumo baseado em emoções e/ou influenciado por publicidade enganosa/abusiva. São essas questões que se pretende abordar no presente artigo. Para a elaboração deste trabalho foi utilizado o método jurídico teórico e o raciocínio dedutivo.

 

Palavras-chave: E-commerce; Tutela do Consumidor; Vulnerabilidade do Consumidor; Hiperconsumo.

 

Abstract

This paper aims to analyze consumer protection when exposing themselves in the virtual universe of consumption, considering their fragility as a vulnerable part of a business relationship, in the face of abuses committed by suppliers on their digital platforms. The vulnerability of consumers in this universe demands that they receive adequate information about the product/service purchased, so that they can assess their real need and thus also avoid consumption based on emotions and/or influenced by misleading advertising. These are the questions that we intend to address in this article. For the preparation of this work, the theoretical legal method and deductive reasoning were used.

 

Key words: E-commerce; Consumer Protection; Consumer Vulnerability; Hyperconsumption.

 

Introdução

            Vivemos em uma sociedade com incessante vontade de consumir, com desejo de consumo além das necessidades essenciais e, muitas vezes, voltado para o prazer e uma falsa ou momentânea sensação de bem-estar. Trata-se de um consumismo desenfreado e movido também por uma produção massificada e por articuladas estratégias de marketing.

            O avanço da tecnologia e a maior segurança das plataformas eletrônicas facilitou o processo de compra em ambiente virtual com entregas cada vez mais rápidas. Esses atrativos e a facilidade de pesquisa e acesso a bens de consumo faz com que os consumidores esbanjem nas compras, facilitadas ainda mais pelo simples acesso aos meios de crédito e possibilidade de parcelamentos, estimulados pelas instituições financeiras, que também lucram nesse cenário.

            Nesse ambiente virtual, tudo é muito dinâmico e muitas vezes o consumidor é tolhido de seu direito de receber informações básicas quanto ao produto e/ou serviço que está sendo contratado, gerando um fator de desequilíbrio nessa relação. A publicidade de mídia é sempre muito instigante e com grande poder de convencimento sobre o consumidor, que pode ser facilmente influenciado a desenvolver um padrão de consumo muitas vezes desnecessário e exagerado, com possibilidade de inadimplemento e endividamento.

            O fato é que o comércio eletrônico, somado a outros fatores, tornou os consumidores ainda mais vulneráveis, tornando necessária uma maior proteção estatal, diante da farta exposição publicitária. Esta, atualmente, é direcionada para nichos específicos de consumidores por meio de dados de algum modo disponibilizados por seus titulares online tratados muitas vezes de formas desconhecidas pelos mesmos. Compõe este quadro também a falta de informações, no momento da compra, sobre os produtos e serviços adquiridos online, o que pode viciar sua vontade.

            Dentro desse cenário, utilizando o método jurídico teórico e o raciocínio dedutivo, será analisado o comércio eletrônico e a vulnerabilidade do consumidor, diante das práticas abusivas do fornecedor e em dissonância com a nossa legislação vigente.

 

1 O comércio eletrônico: Conceito, histórico e pós-modernidade

            Inicialmente, para uma melhor compreensão do tema, é preciso definir o que se entende por comércio eletrônico, e aqui utilizaremos as ideias expostas na definição de Tarcisio Teixeira[4], por sua precisão e clareza.  Para ele, o comércio eletrônico, ou e-commerce, reflete uma extensão do comércio tradicional, agora em ambiente digital, em que as operações ocorrem com suporte de equipamentos de informática que possibilitam a concretização do negócio.

            Partindo do conceito de Tarcisio Teixeira, é possível explorar os atos praticados durante a história e que nos remetem ao início e avanços do comércio eletrônico. Pode-se dizer que houve um avanço muito rápido, de um período em que a realidade era falar sobre energia, máquina, produção de bens materiais e fábrica, para um momento em que os temas relevantes passaram a ser informação, tecnologia da computação, serviços e consumo.

            Explica Yannk Lavelle[5] que, já na década de 70, surgiram novidades consideradas como as primeiras aplicações do comércio eletrônico, sendo uma delas a transferência eletrônica de fundo, mas efetivou-se nos anos 90 quando as empresas adotaram passaram a se beneficiar do comércio eletrônico, por suas características, rapidez, eficiência e menores custos.

            À medida em que as pessoas passaram a fazer parte dessa rede de alcance mundial, no início da década de 90, foi que a internet foi se caracterizando também como um ambiente comercial e a expressão e-commerce foi ganhando espaço, sendo que suas aplicações foram se expandindo de forma extremamente rápida. Segundo relatos de Vivianne Arantes[6], tivemos em 1994 o primeiro site de compras pela internet e a primeira venda online realizada pela Pizza Hut. Já a partir de 1995, o comércio eletrônico cresceu de forma expressiva em todo o mundo, com o surgimento de grandes empresas do e-commerce, a Amazon e o eBay[7].

            O comércio eletrônico vem crescendo a cada ano com a expansão da internet nas últimas décadas e hoje, segundo dados da e-commercebrasil[8], atinge números impressionantes, podendo ser considerado uma das principais formas de mercado contemporâneo. Sendo assim, a globalização possibilitou o acesso de toda população às transações comerciais online, por meio dos vários tipos de recursos eletrônicos, fazendo com que o mercado eletrônico movimente, de forma significativa, a economia mundial.

            No entanto, surgiram também inúmeras dificuldades, especialmente relacionadas à proteção do consumidor, na medida em que gerou uma massificação do mercado de consumo, com adoção irrestrita de contratos de adesão, desfavorecendo sobremaneira os consumidores[9]. Um fator social relacionado a isso é o fato de que a sociedade passou a adotar uma incessante vontade de consumir (quanto mais se consome, mais se quer consumir, de maneira insaciável, seguida de inúmeras novas procuras para satisfação de consumo)[10]. Trata-se da cultura de consumo que, segundo Mike Featherstone[11],significa enfatizar que o mundo das mercadorias e seus princípios de estruturação são centrais para a compreensão da sociedade contemporânea”.

            A pandemia disseminada pela COVID-19 e suas variantes, com início do ano de 2020, e com a declaração pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que o surto do novo coronavírus constitui uma emergência de saúde pública de importância internacional, fez com que os governantes de diversos países do mundo adotassem medidas de proteção, dentre elas, o isolamento social da população. Forçada a viver em isolamento, as pessoas tiveram que mudar hábitos e adequar-se aos novos cenários impostos pela pandemia.

            O fato de não poder circular livremente para fazer compras, até mesmo de alimentos, fez com que comerciantes e consumidores tivessem que se adaptar rapidamente e as compras online, por aplicativos de entrega, aumentaram significativamente. Empresas como o ifood, por exemplo, tiveram um crescimento de seu faturamento em 234%, registrando quase 45 milhões de pedidos em suas plataformas no mês de agosto de 2020. Para se ter ideia, o cadastro de restaurantes na plataforma do ifood, teve um aumento de 160 mil para 236 mil, com impacto positivo nos resultados financeiros da companhia, que chegou a faturar US$ 323 milhões[12]. Nesse contexto pandêmico, dados da e-commercebrasil[13] nos dão conta de que a pandemia provocou um salto, entre julho de 2020 e junho de 2021, de 9,2% para 21,2%, na receita decorrente das vendas das empresas do comércio varejista brasileiro.

            Em se falando de pós-modernidade, vemos que o e-commerce veio para atender a nova dinâmica do consumidor atual, de uma população frenética e ansiosa nas mais diversas interações sociais proporcionadas pela sociedade da informação, que trouxe facilidades, comodidade e agilidade no atendimento dos novos anseios sociais. Todavia, esse ambiente desenfreado de consumo também apresenta seus problemas, especialmente quanto a ofensa aos direitos dos consumidores como parte vulnerável da relação de consumo, conforme veremos adiante.

 

2 A proteção e a vulnerabilidade do consumidor diante da publicidade no meio eletrônico: expansão do hiperconsumo

            A vulnerabilidade é a peça fundamental do direito do consumidor. Cláudia Lima Marques[14] esclarece que existem diversos tipos de vulnerabilidade: a técnica, a jurídica, a fática/socioeconômica e a informacional. Podemos assim sintetizá-las:

  1. Vulnerabilidade Técnica: falta de conhecimento técnico, específico, do consumidor, quanto ao produto adquirido ou serviço contratado, suas características e utilidade, o que o coloca em posição de fácil exposição ao erro e de ser enganado;
  2. Vulnerabilidade Jurídica ou Científica: falta de conhecimento que depende de estudo e/ou formação científica (conhecimentos de direito, engenharia, contabilidade, química etc.);
  3. Vulnerabilidade Fática: decorrente de situação de fato em que o grande poder econômico (grandes empresas que impõe seus contratos de adesão como condição de contratação, por exemplo) ou a essencialidade do serviço (fornecimento de energia elétrica, de água etc.), coloca todos os consumidores em situação de inferioridade em relação ao fornecedor;
  4. Vulnerabilidade Socioeconômica: nosso direito e doutrina admitem que os consumidores desfavorecidos (ou pobres) podem ser chamados de hipossuficientes, criando assim uma graduação (econômica) da vulnerabilidade em direito material; e
  5. Vulnerabilidade Informacional: decorre da falta de informação adequada ao consumidor quando da aquisição de um produto ou serviço.

 

            É notório que a falta de informação representa uma vulnerabilidade do consumidor, especialmente na sociedade atual em que o poder está na informação. Pode-se dizer que atualmente a vulnerabilidade informacional representa um grande fator de desequilíbrio na relação consumidor/fornecedor. Não somente a falta de informação como também informações distorcidas, estampadas em campanhas de publicidade que impõe padrões e instigam o consumismo, o consumo emocional, exagerado e desnecessário, colocam em risco hoje o consumidor, com possibilidade de inadimplemento e endividamento.

            O consumismo é um atributo da sociedade atual. Diferente do consumo, que é parte da vida humana, o consumismo, consiste em uma prática social na capacidade individual de querer, desejar, almejar algo, torna-se um instrumento do sistema econômico, que coloca os consumidores em movimento constante, pois manipulados a tal entendimento, são na verdade enjeitados de sua capacidade de escolha e condutas individuais[15].

            Para que isso ocorra, sendo possível atingir um consumo em massa, explica Diogo Moreira[16] que há a necessidade de impor ao cidadão novos modos de vida e lhe dar conhecimento de hábitos e particularidades de vida de outras pessoas e outras localidades, pois assim o fazendo, afastando os indivíduos das normas particularistas e locais e eliminando os hábitos sociais que poderiam constituir freios ao consumo mercantil, é possível retirar do indivíduo a culpa da vontade de gastar, desvalorizar a moral da poupança (necessidade de poupar) e depreciar as produções domésticas (incentivando o consumo fora).

            É fato que, nesse cenário, a introdução ao sistema de crédito e a publicidade contribuíram bastante para o hiperconsumo. Primeiro, pois permitiu que não fosse mais necessário primeiro economizar para depois gastar, comprar, consumir. Segundo, pois democratizou o desejo de consumir, sem culpa, mas por prazer e como atividade recreativa, capaz de inserir socialmente o consumidor em diferentes meios e estilos, lhe incutindo a ideia de ser uma pessoa diferente, importante, atrativa[17].

            Segundo Diogo Moreira[18], as redes sociais tomaram um papel importante para o fomento ao consumo, justamente pela possibilidade de gerar publicidade e com isso poder divulgar marcas de produtos e serviços, com um atrativo diferenciado, sempre privilegiando e mostrando cenários em que a qualidade de vida e o bem-estar, relacionados ao consumo, permitem uma vida diferenciada aos consumidores. É um universo onde nada parece trazer problemas e pessoas se divertem em lugares bonitos e cuidadosamente preparados, o que faz com que os seguidores dos influenciadores digitais queiram gozar de um estilo de vida parecido ao que lhes é mostrado.  Na maioria dos casos, vale frisar, aquilo que é postado não reflete o real estilo de vida dos influenciadores, e sim, campanhas de marketing minuciosamente estudadas e pensadas visando a massificação das vendas, agora focada no consumo emotivo, de prazer, o hiperconsumo.

            Nesse cenário exposto por Diogo Moreira, os consumidores são colocados em uma posição altamente vulnerável, justamente por não serem esclarecidos (informados), que o conteúdo que recebem, muitas vezes, são campanhas publicitárias, de postagens pagas e de cunho comercial. São situações colocadas em que anúncios não parecem anúncios, com potencial de enganar o seguidor/consumidor e levá-lo ao consumo desnecessário. A proteção do consumidor se faz especialmente necessária levando-se em consideração a dinâmica das redes sociais, tendo em vista a confiança que o seguidor deposita, por exemplo, no influenciador digital. Assim, especialmente no que se refere a publicidade enganosa e falta de informações específicas acerca do produto/serviço anunciado. É necessário garantir que o consumidor tenha capacidade de discernir o que é publicidade e o que é escolha pessoal do anunciante/fornecedor/influenciador; o que é um produto divulgado por força de um contrato comercial, com remuneração, e o que é um produto utilizado por livre opção e real escolha e gosto do influenciador.

            O Código Civil[19] e o Código de Defesa do Consumidor (CDC) sistematizaram a matéria sobre responsabilidade, especialmente em relação às regras de reparação de dano e responsabilidade civil. Pelo fato de os contratos eletrônicos relacionados ao e-commerce representarem, em praticamente 100% dos casos, uma relação de consumo com aplicabilidade do CDC, trabalharemos aqui com os conceitos de responsabilidade objetiva e defeito, pois importantes para a defesa dos interesses consumidor em situações de violação de seus direitos, e ocorrência de danos e sua reparação.

            A responsabilidade, segundo Roberto Senise[20], constitui uma relação obrigacional cujo objeto é o ressarcimento. Nas relações de consumo, temos a responsabilidade pelo vício e pelo fato do produto ou serviço. Na responsabilidade pelo vício do produto e do serviço a responsabilidade do fornecedor objetiva (independe de culpa), ou seja, pelo simples fato da colocação do produto defeituoso no mercado de consumo. Bruno Miragem[21],  quanto à responsabilidade pelo fato do produto ou serviço, enfatiza que consiste no efeito de imputação ao fornecedor, de sua responsabilização em razão dos danos causados em razão de defeito na concepção ou fornecimento de produto ou serviço determinando seu dever de indenizar pela violação do dever geral de segurança inerente a sua atuação no mercado de consumo.

            Conforme destaca o referido autor[22], o regime de responsabilidade no direito brasileiro distingue-se em razão do dever jurídico violado pelo fornecedor em: (i) responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço – decorrente do fato de o produto ou serviço não oferecer segurança ao consumidor; e (ii) responsabilidade pelo vício do produto ou do serviço – decorrente da situação de o produto ou o serviço não servir aos fins que legitimamente deles se esperam.

            Note que, em tais situações, uma vez demonstrado o defeito do produto ou do serviço, o fornecedor responderá de forma objetiva, ou seja independentemente da existência de culpa, simplesmente pelo fato de ter disponibilizado no mercado o produto ou serviço ao consumidor. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) indica expressamente a responsabilidade objetiva e solidária do fornecedor na relação de consumo, em seus artigos 12, 14, 7º e 25[23].

            Em relação à responsabilidade no meio publicitário, o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, embora sem força de Lei, prevê a responsabilidade do anunciante, da agência de publicidade e do veículo de divulgação, sendo reconhecida, portanto a relevância de tais sujeitos na elaboração da publicidade. Explica Diogo Moreira[24] que, tanto o CDC quanto o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária exigem que a publicidade seja de fácil identificação e transparência, para que o consumidor tenha conhecimento de que as informações apresentadas pelo influenciador digital, por exemplo, confundem-se com publicidade. Isso porque esses profissionais possuem enorme capacidade de influenciar seus seguidores e de formar opinião. Ter conhecimento inequívoco de que se trata de uma publicidade, é direito básico do consumidor. Em razão disso muitos apresentadores e influenciadores digitais já usam em suas publicações elementos que identifique tratar-se de campanha publicitária paga e que não necessariamente reflete a opinião pessoal deles, colocando no corpo do texto da publicação hashtags que identifique a existência de uma parceria comercial, como, por exemplo: #publi, #publicidade, #publieditorial, #ad etc.

            Nesse sentido, prevê os artigos 3º e 28 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária:

Artigo 3º. Todo anúncio deve ter presente a responsabilidade do anunciante, da agência de publicidade e do veículo de divulgação junto ao Consumidor.

Artigo 28. O anúncio deve ser claramente distinguido como tal, seja qual for a sua forma ou meio de veiculação.

 

            Assim, tanto o CDC (art. 31[25]) quanto o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária exigem que a publicidade seja de fácil identificação, ou seja, a informação correta é direito básico do consumidor. Todos que veiculam publicidade de forma profissional têm, portanto, a obrigação de respeitar os princípios de boa-fé e transparência em prol dos consumidores, devendo deixar explícita a sua relação comercial com a empresa do produto divulgado. A responsabilidade de qualquer desses sujeitos nasce quando há consequências desvantajosas para o consumidor, ou seja, a publicidade é livre até o ponto em que não cause danos a outrem. O limite da liberdade é a responsabilidade, pois quem obtém algum benefício pelo ato, deve suportar o risco de eventuais danos que possam ser causados ao consumidor, inclusive a celebridade que tem o benefício do cachê pela aparição no informe publicitário[26].

            Todos aqueles que participam de uma publicidade têm a obrigação legal de prestar a informação de forma completa, o que serve também para as pessoas famosas cuja participação influenciará em muito na decisão do consumidor, ainda que inconscientemente, sendo plenamente previsível antever que sua conduta poderá causar tal resultado.

            Nas contratações via Internet, também devem ser respeitadas as regras relacionadas a oferta, dispostas em diversos dispositivos do CDC[27], dentre as quais destacamos, a necessidade de, em caso de oferta, vinculação do nome do fabricante em toda arte publicitária utilizada na transação comercial; a responsabilidade solidária do fornecedor do produto ou serviço, por atos de seus prepostos ou representantes autônomos; além de formas alternativas de o consumidor forçar o cumprimento da oferta pelo fornecedor.

            Deve ainda ser respeitado o Decreto nº 7.962/2013, que regulamentou o Código de Defesa do Consumidor, para dispor sobre a contratação no comércio eletrônico, tendo como abrangência questões importantes relacionadas ao: (i) direito do consumidor de obter informações claras a respeito do produto, serviço e do fornecedor; (ii) atendimento facilitado ao consumidor; e (iii) respeito ao direito de arrependimento.

            O referido decreto, obriga os fornecedores a disponibilizar, em local de destaque e de fácil visualização, informações relacionadas a características essenciais do produto ou do serviço, incluídos os riscos à saúde e à segurança dos consumidores; discriminação, no preço, de quaisquer despesas adicionais ou acessórias, tais como as de entrega ou seguros; condições integrais da oferta, incluídas modalidades de pagamento, disponibilidade, forma e prazo da execução do serviço ou da entrega ou disponibilização do produto; e informações claras e ostensivas a respeito de quaisquer restrições à fruição da oferta, por exemplo, nos sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos utilizados para oferta ou conclusão de contrato de consumo (Dec. 7962, art. 2º).

            E ainda, para garantir o atendimento facilitado ao consumidor no comércio eletrônico, o fornecedor deverá, nos termos do art. 4º do Dec. 7962:

I - apresentar sumário do contrato antes da contratação, com as informações necessárias ao pleno exercício do direito de escolha do consumidor, enfatizadas as cláusulas que limitem direitos;

II - fornecer ferramentas eficazes ao consumidor para identificação e correção imediata de erros ocorridos nas etapas anteriores à finalização da contratação;

III - confirmar imediatamente o recebimento da aceitação da oferta;

IV - disponibilizar o contrato ao consumidor em meio que permita sua conservação e reprodução, imediatamente após a contratação;

V - manter serviço adequado e eficaz de atendimento em meio eletrônico, que possibilite ao consumidor a resolução de demandas referentes a informação, dúvida, reclamação, suspensão ou cancelamento do contrato;

VI - confirmar imediatamente o recebimento das demandas do consumidor referidas no inciso, pelo mesmo meio empregado pelo consumidor; e

VII - utilizar mecanismos de segurança eficazes para pagamento e para tratamento de dados do consumidor.

 

            Destaca-se ainda, o fato de que a publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal, devendo o fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manter, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem (CDC, Art. 36). Isso porque, na sociedade contemporânea, o desenvolvimento da atividade publicitária é um dos fatores que mais contribuiu para o surgimento e desenvolvimento do mercado de consumo[28].

            Não por menos, o CDC veda toda publicidade enganosa ou abusiva. A publicidade, segundo Flávio Tartuce[29], é qualquer forma de transmissão difusa de dados e informações com o intuito de motivar a aquisição de produtos ou serviços no mercado de consumo. Será enganosa, aquela que induz o consumidor ao engano, ao erro, e abusiva, a publicidade ilícita, por trazer como conteúdo o abuso de direito, na forma do que dispõe o artigo 37 do CDC:

CDC, Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.       

§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

 

            Está claro e inconteste que a vulnerabilidade específica do consumidor na internet exige informações claras sobre a identificação do fornecedor e que o conteúdo da publicidade e oferta tragam informações claras a respeito do produto e do serviço, sem conteúdo enganoso ou ilícito. O que a lei visa é a proteção do consumidor, através de uma função compensatória e punitiva, de objetivo pedagógico, buscando desestimular futuras condutas ilícitas e/ou enganosas. Para que ocorra essa responsabilidade é necessário verificar se foi concretizada a publicidade antijurídica, devendo-se apurar se houve afronta aos princípios balizadores da atividade publicitária.

            Explica Antonio Carlos Enfing[30], que as práticas comerciais fundadas no CDC orientam os fornecedores e publicitários, direcionando que suas condutas sejam realizadas com base na boa-fé, na confiança negocial e respeitando a função social do contrato, a solidariedade e transparência dos atos, refletida na prestação de informação adequada, para com atender a dignidade da pessoa humana enquanto fundamento da República.

            No que se refere à solidariedade, importante anotar que o princípio da solidariedade estabelece uma autêntica orientação solidarista do direito, e impõe a necessidade de se observar os reflexos da atuação individual perante a sociedade. Esclarece Bruno Miragem[31], que a divisão de riscos do CDC orienta-se por tal princípio, visando a melhor satisfação dos consumidores vítimas de eventos no mercado de consumo.

           Portanto, a solidariedade, confiança negocial e a boa-fé sempre deverão ser mantidas nas compras online, devendo ser respeitadas as regras previstas no CDC quanto a proteção dos consumidores, especialmente no que se refere às informações de marketing publicitário, sob pena de caracterização de abusividade e consequente ilicitude do negócio realizado, em prejuízo dos consumidores, especialmente quando relacionado às publicidades com apelo emocional e sem identificação de tratar-se de uma publicidade ou campanha paga.

 

3 Jurisprudência

            Na jurisprudência, sem esgotar o assunto, destacamos alguns julgados que exprimem o pensamento dos julgadores com relação a proteção do consumidor no comércio eletrônico e quanto a publicidade enganosa, que separamos em 4 temas, conforme veremos a seguir.

 

            3.1 Responsabilidade Solidária

            Como já vimos, o Código de Defesa do Consumidor em seus artigos 7º, p. único e 25, prevê a responsabilidade solidária. Como a responsabilidade é objetiva, tal regra caracteriza a possibilidade de o consumidor prejudicado ter a liberdade de escolha de ajuizar ação reparatória contra todos aqueles que foram responsáveis pela colocação do produto no mercado ou pela prestação do serviço[32].

            Em termos práticos, podemos citar o litígio instaurado em razão de falta de pagamento pelo produto vendido por meio de plataforma digital, em que foi discutida a responsabilidade solidária dos prestadores de serviço vinculados ao comércio eletrônico, gestora de site de intermediação de vendas e empresa gestora de pagamentos. No caso em referência, julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo[33], os réus (gestora de site de intermediação de vendas e empresa gestora de pagamentos) foram responsabilizados pelo fato de que os autores/vendedores foram induzidos a erro por fraudador.  Este último remeteu aos autores correspondência eletrônica de inegável potencial indutivo a erro, que confirmava o pagamento do preço ajustado, fazendo com que os vendedores entregassem o produto sem ter recebido o preço.

     No caso, ainda que os réus tenham atuado como meros intermediadores e gestores de pagamento, ambos responderam de forma objetiva pela ausência de repasse do preço do produto comercializado ao consumidor/vendedor, pois tanto o gestor de pagamentos como a empresa de facilitação das vendas online inegavelmente compõem a cadeia de fornecedores do produto, nos termos dos art. 3º, § 2º e 7º, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, circunstância a atrair a responsabilidade objetiva inerente ao risco da atividade, notadamente considerando a confiança que a marca dos requeridos imprime às relações negociais subjacentes à sua atuação.

            Assim, considerando ainda que as empresas gestora de site de intermediação de vendas e empresa gestora de pagamentos, ao atuarem conjuntamente na intermediação e gestão de pagamentos de compras realizadas pela internet, oferecem ao consumidor serviço de segurança nas transações realizadas por meios eletrônicos, auferindo lucro pela utilização dos serviços disponibilizados, foram submetidas ao dever de indenizar os prejuízos causados, nos termos do art. 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor.

            Portanto, no caso concreto narrado, os danos materiais foram configurados, assim como o dano moral, devido a frustração das legítimas expectativas depositadas no serviço dos réus, agravada pela perenização dos percalços enfrentados, para muito além da qualificação de mero aborrecimento inerente às relações de consumo. No caso específico, houve fixação de quantum indenizatório, arbitrado em R$ 2.000,00.

            É de se notar que estamos diante de caso que reflete justamente a massificação das contratações na rede e a necessidade de proteção do consumidor, ainda mais envolvendo contratos complexos com operadores de meios de pagamento e comércio eletrônico, com contratações por adesão e sem possibilidade de discussão contratual. As vendas em grandes escalas fazem com que os fornecedores se preocupem mais em concretizar novos negócios e menos em acompanhar a finalização do negócio e entrega do produto vendido.

 

            3.2 Consumidor Menor de Idade

            Outra questão interessante é a do cadastramento de menores de idade em plataformas de compras online, visto que os mesmos devem ser representados ou assistidos na prática dos atos da vida civil. A ausência de procedimentos fiscalizatórios por parte da empresa de comércio eletrônico pode ensejar o ressarcimento de danos causados ao menor.

           Em caso julgado pelo Tribunal de Justiça de Goiás[34], relacionado a utilização do sistema Mercado Pago[35], houve o anúncio de venda de um aparelho celular no sítio eletrônico da empresa fornecedora de serviço e comunicação fraudulenta entre o pretenso vendedor e comprador, além de mails informando a suposta venda e pagamento do produto ofertado na plataforma eletrônica do vendedor. Ocorre que no caso em referência o vendedor, um adolescente de 17 anos, recebendo a comunicação fraudulenta de pagamento e, confiando da segurança do site do fornecedor, enviou o produto para o suposto comprador.

            Ao apreciar o recurso de apelação, primeiramente restou verificado pelo tribunal que ao fornecedor de serviços cabe dispor de mecanismos fiscalizatórios para filtrar e examinar pretensos usuários a serem cadastrados em seu sítio eletrônico, principalmente, quando a lei e o próprio Termos e condições gerais de uso do site impõem o preenchimento de determinada qualidade especial, qual seja, capacidade civil para contratar, requisito imprescindível à segurança jurídica dos negócios realizados.

            Isso porque, no caso dos autos, a transação foi efetuada por um menor de 17 anos, que deveria ter sido impedido de se cadastrar e utilizar os serviços do Mercado Pago. Nesse sentido, entendeu o julgador que cabia ao intermediador exigir a apresentação de documentos que comprovassem o preenchimento dos requisitos cadastrais bem como, contar com instrumentos capazes de fiscalizar a veracidade dos dados cadastrais a serem informados na pretensa ficha cadastral. Assim, o apelado, que permitiu que um menor de idade de cadastrasse em seu site, por falta de fiscalização, não pode se eximir da responsabilidade porque o adolescente não verificou a veracidade da mensagem de confirmação do pagamento no site de intermediação de vendas.

            Entendeu o tribunal cabível o dever de indenizar porque demonstrado o dano e o nexo causal pela ausência de procedimentos fiscalizatórios, inclusive pelo fato de o fornecedor ter aceito cadastramento de menor em seu site eletrônico de vendas online, apesar de exigir idade mínima de 18 anos. Coube, portanto, ao consumidor, ressarcimento por dano material experimentado no valor do celular, além de indenização por dano moral, fixado em R$ 2.000,00.

            Por trás da questão discutida, o que se vê aqui é um consumidor menor de idade que navega pela internet e adquire produtos, algo muito comum nos dias de hoje. Influenciados pela necessidade de consumo, como meio de inserção em meios sociais, criação de uma identidade e autoafirmação, os jovens cada vez mais consomem em ambiente digitais são influenciados por campanhas publicitárias e metodologias agressivas de marketing de vendas. A publicidade, conforme já abordado, contribui para o hiperconsumo e realização do desejo de consumir, sem culpa, por prazer, como atividade recreativa.

 

            3.3 Publicidade Enganosa. Direito a Informação. Princípio da Transparência

            O direito à informação, a publicidade enganosa e falta de transparência também são assuntos que têm preenchido a pauta dos tribunais, eis que o meio utilizado e forma como a publicidade é exposta pelos fornecedores, pode, muitas vezes, ter o condão de ludibriar com certa facilidade o consumidor e colocá-lo em situação de risco financeiro e endividamento.

            Em Recurso Especial apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), de relatoria do Min. Herman Benjamin[36], podemos verificar a situação de uma Ação Civil Pública movida por Associação de Consumidores contra concessionárias de veículos, em razão de venda a crédito de veículos feita sem a devida prestação de informações aos consumidores, contendo juros embutidos em parcelas do preço, com atração de consumidores decorrente de publicidade enganosa.

            No caso, a organização não governamental cita, em síntese, a revolta e indignação de centenas de cidadãos que são ludibriados por maquiavélicas publicidades enganosas e depois não conseguem honrar aquelas compras e que são iludidos com a imagem das 'suaves' prestações mensais. Aponta violações ao Código de Defesa do Consumidor e questiona, em particular, a oferta de automóveis e de crédito sem informação prévia, expressa e adequada sobre montante da entrada, número, periodicidade e valor das parcelas mensais e eventuais intermediárias, preço final do bem (com e sem financiamento), taxa de juros e custo efetivo total, eventuais acréscimos e encargos incidentes sobre o financiamento ou parcelamento em si, mesmo que não haja, formalmente, cobrança de juros.

            A ação foi julgada procedente na primeira instância e confirmada, no essencial, pelo Tribunal de Justiça de Rondônia, que constatou pela prova dos autos que, de fato, comprovou-se que os fornecedores anunciaram a venda de veículos, por meio de panfletos, jornais, televisão, rádio, cartazes, faixas, outdoors e sites, todavia, sem prestar aos consumidores as informações devidas, referentes ao valor de entrada, valor total a prazo, valor à vista e juros embutidos, o que caracteriza a publicidade enganosa.

            Ao analisar o caso, o STJ, em sede de Recurso Especial, menciona que o direito de não ser enganado antecede o próprio nascimento do Direito do Consumidor, daí sua centralidade no microssistema do CDC. E ainda, que a oferta, publicitária ou não, deve conter não só informações verídicas, como também não ocultar ou embaralhar as essenciais. E sobre produto ou serviço oferecido, que ao fornecedor é lícito dizer o que quiser, para quem quiser, quando e onde desejar e da forma que lhe aprouver, desde que não engane, ora afirmando, ora omitindo (= publicidade enganosa), e, em paralelo, não ataque, direta ou indiretamente, valores caros ao Estado Social de Direito, p. ex., dignidade humana, saúde e segurança, proteção especial de sujeitos e grupos vulneráveis, sustentabilidade ecológica, aparência física das pessoas, igualdade de gênero, raça, origem, crença, orientação sexual (= publicidade abusiva). Nesse sentido, o julgado do STJ é assertivo ao afirmar que no mercado de consumo, juros embutidos ou disfarçados configuram uma das mais comuns, graves e nocivas modalidades de oferta enganosa.

            Assim, finalizou o julgador no sentido de que o acórdão recorrido está alinhado à jurisprudência do STJ, quanto ao cabimento de indenização por dano moral coletivo em Ação Civil Pública, sobretudo quando há clara violação do direito de informação previsto no CDC, diante de oferta e anúncios publicitários, não se exigindo, para tanto, dolo ou culpa na conduta do fornecedor.

            Chama atenção aqui, o desrespeito ao direito básico do consumidor à informação, caracterizador de sua vulnerabilidade informacional. Vimos que na sociedade moderna, em que o poder está na informação, a falta desta ou sua distorção em campanhas publicitárias representa o maior fator de desequilíbrio na relação consumidor/fornecedor, colocando-o em risco, especialmente com possibilidade de inadimplemento e endividamento.

            O próprio Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária é sensível ao tema, exigindo que a publicidade seja de fácil identificação e esclarecendo que a informação correta é direito básico do consumidor. Deve-se respeitar nas campanhas publicitárias os princípios de boa-fé e transparência em prol dos consumidores.

 

            3.4 Publicidade. Influenciador. Responsabilidade

            Na publicidade de palco e redes sociais também não é diferente, sendo o anunciante responsável sempre que garantir a qualidade do produto ou serviço anunciado, ou não prestar as informações claras quanto ao fato de se tratar de publicidade paga, deixando o consumidor informado e livre para fazer sua escolha na hora da aquisição de um produto ou serviço.

            No julgamento de Recurso Especial[37], o STJ também se debruçou quanto à responsabilidade do anunciante, na publicidade de palco, realizada em programa televisivo. No caso narrado, o serviço consistia na oferta para contratação de empréstimo junto à instituição financeira, sendo que uma vez realizado o depósito de importância a título de primeira prestação pelo consumidor, o crédito não foi concedido.

            No entendimento do STJ, nesse julgado de 14/12/2010, a responsabilidade pela qualidade do produto ou serviço anunciado ao consumidor é do fornecedor respectivo, assim conceituado nos termos do art. 3º da Lei n. 8.078/1990, não se estendendo à empresa de comunicação que veicula a propaganda por meio de apresentador durante programa de televisão, denominada "publicidade de palco".

            No caso específico, houve entendimento de que pela ausência de garantia, pela emissora, da qualidade do bem ou serviço anunciado, a mesma não teria legitimidade para figurar no polo passivo da ação, não lhe podendo ser atribuída corresponsabilidade por apresentar publicidade de empresa financeira que deixou de fornecer o empréstimo ao telespectador nas condições prometidas no anúncio.

            Nota-se aqui, que o julgado trata da responsabilidade civil do anunciante e, apesar de não ter atribuído corresponsabilidade ao apresentador, vemos a importância de se prestar informações claras e precisas ao consumidor e, principalmente, esclarecer estar se tratando de publicidade paga, a fim de desvincular a figura do apresentador/divulgador/influenciador, da figura do fornecedor responsável pelo cumprimento da oferta na forma apresentada. Tanto o CDC quanto o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária exigem que a publicidade seja de fácil identificação. O consumidor tem o direito de saber que a publicidade feita pelo apresentador não é uma publicidade autoral, mas patrocinada pela marca, em respeito ao princípio da transparência. Muito embora o julgado trate de uma publicidade de palco, o entendimento pode ser estendido para qualquer publicidade feita por apresentadores/influenciadores no ambiente digital e suas redes sociais.

            Referidas decisões, aqui destacadas pontualmente, indicam um pouco do desafio do judiciário na proteção do consumidor diante do fornecedor atual, que opera no mercado eletrônico. E ainda, quanto a publicidade enganosa, a imputação da responsabilidade ao apresentador/influenciador, seja nas mídias digitais ou de palco, pela publicidade realizada, o que se conclui do presente estudo, é que a incidência da mesma tem os seguintes requisitos: a) garantia da qualidade do bem ou do serviço e b) não tenha prestado a informação de forma clara, de tratar-se de realização de publicidade remunerada.

 

Conclusão

            De todo o exposto, verifica-se que o consumidor precisa de amparo legal nas compras online, pois vive constantemente assediado por fornecedores articulados que se valem de estratégias bem elaboradas de marketing, incutindo nos consumidores a necessidade de comprar, de consumir cada vez mais.

            A dinâmica gerada pelas redes sociais agrava ainda mais a situação e confunde cada vez mais o consumidor, que tem a dificuldade de definir se o que está vendo é ou não uma campanha publicitária ou um post patrocinado, decorrente de um contrato comercial. O apelo para a emoção, o hiperconsumo, faz com que os consumidores caiam cada vez mais nessas estratégias de vendas e muitas vezes saiam prejudicados.

            Não há como negar que a falta de informação adequada ou omissão quanto ao fato de tratar-se de uma campanha publicitária, torna a propaganda e sua oferta abusivas e coloca sim o consumidor em situação de risco, especialmente os hipervulneráveis, como no caso dos jovens, que se espelham em seus ídolos e influenciadores digitais, sendo mais propensos a adquirir um produto/serviço apresentado por eles, e também os idosos, pois na maioria, acabam tendo reduzida sua capacidade de discernimento quanto as novas tecnologias em razão do fator idade.

            A legislação, em especial o Código de Defesa do Consumidor, tenta ao seu modo mitigar os riscos e impor condutas aos fornecedores, especialmente para o caso de contratações eletrônicas e vendas decorrentes de anúncios patrocinados com utilização de celebridades e influenciadores digitais para alavancar suas vendas.

            Entendemos existir responsabilidade de todos os envolvidos nessa cadeia de consumo, pelo fato de não prestar as informações necessárias e verdadeiras ao consumidor, vulnerável informacional, além de muitas vezes, também vulnerável técnica e economicamente. Nesses casos, a abusividade deve ser reconhecida para o fim de tornar o ato de venda ilícito e assim poder gerar a devida punição aos envolvidos, com eventual ressarcimento dos danos causados.

            Diante disso, os fornecedores e influenciadores devem ter maior responsabilidade quanto a abordagem publicitária utilizada, para que não sejam responsabilizados pelos danos e efeitos negativos que seus atos possam causar, pois na maioria são bem assessorados e com condições de avaliar os riscos dos negócios relacionados a campanhas publicitárias ilícitas, enganosas e sem informações adequadas.

 

Referências

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Notas:

[1]  Mestrando em Direito da Sociedade da Informação pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU (São Paulo). Especialista em Direito Contratual e em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. MBA em Gestão de Negócios pela Universidade de São Paulo – USP. Advogado e Consultor Jurídico. E-mail: daniel.machado.dcm@gmail.com. CV: http://lattes.cnpq.br/4963633990783363 / https://orcid.org/0000-0003-2048-3591.

[2] Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP (2014), Brasil, Mestrado em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2005); Professor Permanente da Pós-graduação do Programa de Mestrado "strictu sensu" em Direito da Sociedade da Informação, do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas-UniFMU/SP. Avaliador do Banco Nacional de Avaliadores do Sistema Nacional de Avaliação Superior (BASIs), do Ministério da Educação (MEC) e integra o banco de avaliadores da Avaliação Especial da Educação Superior (AEES).

[3] Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Mestre em Direito do Estado pela mesma instituição. Coordenador e Professor do Mestrado em Direito da Sociedade da Informação do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU (São Paulo); Professor da Escola de Direito da Pontifícia Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Membro da Comissão Mundial de Direito Ambiental da União Internacional para a Conservação da Natureza. Advogado. E-mail: ricardolibelwaldman@yahoo.com.

[4] TEIXEIRA, Tarcisio. LGPD e E-Commerce. 2ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2021. p. 27.

[5] SILVA, Yannk Lavelle Bezerra. Comércio Eletrônico: A vulnerabilidade do consumidor perante o fornecedor. Disponível em: http://repositorio.asces.edu.br/bitstream/123456789/2474/1/Artigo%20-%20Yannk%20Lavelle%20Bezerra%20Silva.pdf. Acesso em: 01 dez. 2021. p. 11-13.

[6] ARANTES, Vivianne Dantas. E-commerce: A expansão do setor no Brasil e o comportamento do consumidor. Disponível em: http://www2.eca.usp.br/moda/monografias/-vivianne%20dantas.pdf. Acesso em: 01 dez. 2021. p. 18.

[7] TOMÉ, Luciana Mota. Comércio Eletrônico – “Bem Vindo ao Futuro”. Caderno Setorial ETENE (Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste).  Ano 4, Nº 90, Agosto 2019. Disponível em: https://www.bnb.gov.br/documents/80223/5851169/90_Comercio_eletronico.pdf/24fd6452-0773-49e3-595e-99e045aea651. Acesso em: 31 jan. 2022. P. 4.

[8] “O e-commerce no Brasil bateu recorde de vendas no primeiro semestre de 2021, atingindo R$ 53,4 bilhões, crescimento de 31% em relação ao mesmo período do ano anterior. O resultado consta da 44ª edição do Webshoppers, o mais amplo relatório sobre comércio eletrônico do país elaborado pela Ebit  Nielsen e realizado em parceria com o Bexs Banco, empresa especializada em câmbio e soluções de pagamentos digitais internacionais. O resultado semestral do e-commerce no Brasil foi impulsionado sobretudo pelos aumentos de 22% no ticket médio – que passou para R$ 534 reais -, e de 7% no número de pedidos, atingindo a marca de 100 milhões”. E-commercebrasil. E-commerce no Brasil bate recorde e atinge R$ 53 bilhões no 1º semestre, mostra Ebit Nielsen. Redação E-Commerce Brasil, quarta-feira, 11 de agosto de 2021. Disponível em: https://www.ecommercebrasil.com.br/noticias/e-commerce-no-brasil-bate-recorde-e-atinge-r-53-bilhoes-ebit-nielsen-webshoppers/. Acesso em: 31 jan. 2022.

[9] CANTO, Rodrigo Eidelvein. A vulnerabilidade dos consumidores no comércio eletrônico e a reconstrução da confiança na arualização do Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/211758. Acesso em: 01 dez. 2021. p. 12.

[10] LIPOVETSKY, Gilles. A Felicidade Paradoxal: Ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. Tradução: Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 38

[11] FEATHERSTONE, Mike. Cultura de Consumo e Pós-Modernismo. Tradução: Julio Assis Simões. São Paulo: Studio Nobel, 1990. p.121.

[12] SNAQ by Fisher. ifood entregando resultado: faturamento cresce 234%.  Disponível em: https://www.snaq.co/news/ifood-entregando-resultado-faturamento-cresce-pandemia. Acesso em: 01 de fev. 2022.

[13] E-commercebrasil. Com pandemia, e-commerce mais que dobra e já chega a 21% das vendas. Redação E-Commerce Brasil, segunda-feira, 18 de outubro de 2021. Disponível em: https://www.ecommercebrasil.com.br/noticias/com-pandemia-e-commerce-mais-que-dobra-e-ja-chega-a-21-das-vendas/. Acesso em: 01 fev. 2022.

[14] BENJAMIM, Antonio Herman; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 71-76.

[15] BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2008. p. 25.

[16] MOREIRA, Diogo Rais Rodrigues; BARBOSA, Nathalia Sartarello. O Reflexo da Sociedade do Hiperconsumo no Instagram e a Responsabilidade Civil dos Influenciadores Digitais. Revista Direitos Culturais: Santo Ângelo, v. 13, n. 30, p. 73-88. maio/ago. 2018. Disponível em: https://livros-e-revistas.vlex.com.br/vid/reflexo-da-sociedade-do-739453741. Acesso em: 28 nov. 2021. p. 74.

[17] Ibidem, p. 75.

[18] Op. Cit. p. 76-80.

[19] CC, Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. CC, Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. CC, Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

[20] LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo. 3ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. p. 17 e 43.

[21] MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 4ª ed., ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 505.

[22] Ibidem, p. 505.

[23] CDC, Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. CDC, Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. CDC, Art. 7°. Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade. Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo. CDC, Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores. § 1° Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores. (grifo nosso)

[24] Op. Cit. p. 84.

[25] CDC, Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

[26] Op. Cit. p. 83.

[27] CDC, Art. 33. Em caso de oferta ou venda por telefone ou reembolso postal, deve constar o nome do fabricante e endereço na embalagem, publicidade e em todos os impressos utilizados na transação comercial.

Parágrafo único.  É proibida a publicidade de bens e serviços por telefone, quando a chamada for onerosa ao consumidor que a origina. CDC, Art. 34. O fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos. CDC, Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha: I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade; II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente; III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.

[28]MIRAGEM, Bruno, Op. Cit. p. 239-240: “Em uma realidade de hiperinformação, na qual cada indivíduo é submetido a uma quantidade imensa de dados e informações das mais variadas, a todo o tempo, a importância da publicidade é ressaltada, na medida em que, considerando-a como “a arte de criar, no público, a necessidade de consumir” será dotada de uma série refinada e profissional de técnicas para a sua realização. Nesse sentido, estudiosos do fenômeno da publicidade relacionam como cinco as tarefas a serem realizadas pelo anúncio publicitário: 1) chamar a atenção; 2) despertar o interesse; 3) estimular o desejo; 4) criar convicção; e 5) induzir a ação”.

[29] TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor: Direito Material e Processual – Volume Único. 9ª edição. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2020. p. 775, 780 e 793.

[30] ENFING, Antônio Carlos; BAUER, Fernanda Mara Gibran; ALEXANDRE, Camila Linderberg. Os Deveres Anexos da Boa-Fé e a Prática do Neuromarketing nas Relações de Consumo: Análise Jurídica Embasada em Direitos Fundamentais. Revista Opinião Jurídica, Fortaleza, ano 11, n. 15, p.38-53, jan./dez. 2013, p.45. Disponível em: https://periodicos.unichristus.edu.br/opiniaojuridica/article/view/294. Acesso em: 29 nov. 2021. P. 41.

[31] MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 4ª ed., ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 123-125.

[32] GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do consumidor: código comentado, jurisprudência, doutrina, questões, Decreto nº 2.181/97. 6ª ed. rev. ampl. e atual. pelas leis nº 11.989/2009 e 12.039/2009. Niterói: Impetus, 2010, p. 102.

[33] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Recurso de Apelação nº 1095394-52.2016.8.26.0100. Assunto: Apelação Cível - Compra e venda via comércio eletrônico. Relator: Des. Dr. Airton Pinheiro de Castro. Órgão Julgador: 29ª Câmara de Direito Privado. Acórdão transitado em julgado em 01/02/2021.

[34] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Recurso de Apelação nº 5115467.64.2017.8.09.0051. Assunto: Apelação Cível - Indenização. Comércio Eletrônico. Mercado Pago. Responsabilidade Objetiva. Relatora: Des. Beatriz Figueiredo Franco. Órgão Julgador: 4ª Câmara Cível. Acórdão Publicado em 16/08/2019.

[35] Nessa modalidade, o pretenso comprador transfere o valor do produto ofertado ao sítio eletrônico intermediador e faz o envio ao vendedor de notificação para este verificar a realização ou não do pagamento a fim de prosseguir com a operação. Conferido pelo vendedor o pagamento, ele remete o produto vendido ao comprador via correios. Assim, somente após o recibo de entrega do produto assinado pelo comprador é que o valor de posse do intermediador é transferido ao vendedor.

[36] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.828.620 - RO (2019/0220243-7). Assunto: Ação Civil Pública. Associação de Consumidores. Direito a Informação. Princípio da Transparência. Relator: Min. Herman Benjamin. Acórdão Publicado em 05/10/2020.

[37] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.157.228 - RS (2009/0188460-8). Assunto: Publicidade de palco. Corresponsabilidade da empresa televisiva. Relator: Min. Aldir Passarinho Junior. Órgão: Quarta Turma.  Acórdão Julgado em 14/12/2010.

* Trata-se de artigo publicado na REVISTA DOS TRIBUNAIS - RT, v. 1055, p. 113-131, SET.2023.

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